Barrakaloka

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Friday, February 17, 2006

Os Valores Da Paróquia

Cresci no seio de uma família de professores, onde a crítica, a sátira e a ironia faziam e fazem parte da forma de estar na vida. As verdades absolutas são para mim castelos de cartas. O meu pai, rato de biblioteca, viveu a vida toda sob o lema "só sei que nada sei"...dito por um filósofo do qual não me recordo o nome, mas por via disso, eu e os meus irmãos crescemos com a permanente sensação que nunca estavamos à altura da sua exigência. Lembro-me que o meu irmão que se esgotava a estudar, chegou um dia a casa com um sorriso desmedido e um orgulhoso 19 rabiscado a vermelho no teste, e esbarrou num olhar de desprezo pois tinha faltado um valor para satisfazer o velho. Eu que que não me dava a tanto, escondi os testes responsáveis pela minha única reprovação à sexta classe, por baixo do colchão. Digamos que desejei ter o mesmo tratamento mas acabei por receber a resposta em nódoas negras.

Radical e dura adolescência, vós outros dirão, mas foi também amor que recebi numa relação de equilíbrio. Aprendi que a sabedoria tem que ser conquistada e atravéz dela ganhamos respeito. Cresci a questionar tudo em meu redor e retirei prazer no acto de experimentação e erro. Lêr o Clube5, brincar numa árvore, coleccionar insectos, cair de uma bicicleta, andar à guerra do torrão, etc (para citar apenas alguns exemplos), ensinou-me muito mais do que qualquer jogo da Playstation 2.

São valores que hoje se perdem, a sabedoria que nesta sociedade os pais conferem aos filhos, não passa de um acto de pura inércia. Sujeitamos os nossos filhos a aprender a vida nestas pseudo-escolas com pseudo-professores e ainda pagamos milhões por isso. Acomodamo-nos na ideia que quanto mais cara for a escola, menos temos de nos preocupar. Precisamos de uma revolução de mentalidades a todos os níveis. Já o meu pai dizia..."vivemos numa paróquia", numa aldeia onde todos se conhecem e onde o quintal do vizinho se torna a manchete do dia!

Num país com 18 milhões de habitantes e com grande parte deste número a morrer à fome, temos informação para todos os gostos. No Maputo9, lemos que Leonardo DiCaprio esteve no Las Brasas a comer camarões e a beber Boshendal. Folheamos as revistas Noiva ou TVZine e deliciamo-nos com os pormenores rodeando o casamento de MC Roger. Abrimos qualquer outro honroso pasquim e sabemos tudo sobre o Concurso do Bikini ou sei lá...

Todas as sociedades possuem o seu lado fútil, mas esta não faz mais do que viver dele!

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Adorei o post.

E quanto a isso, concordância plena, meu caro amigo e colega.

Contudo, extraindo um dos assuntos abordados, comentarei e apelarei à discussão do que se passa relativamente ao Ensino Superior, quanto à qualidade de docência.

Parece-me que, de experiência própria, o problema poder-se-á não colocar apenas a nível dos docentes, mas a nível das próprias Universidades, aquando da tomada de decisões quanto aos cursos a leccionar.

Neste sentido, constato que muitos cursos são verdadeiras aventuras das Universidades, visto ser real e mais que visível a falta de quadros qualificados. Casos são os dos Cursos de Ciências da Comunicação, de Marketing e Publicidade, etc.

Questiono-me se, de facto, as Universidades que optaram por incluir estes cursos superiores no seu Currículo terão na altura contabilizado os docentes existentes. E....atenção: DOCENTES. A qualidade de um docente não se mede pela dimensão do seu grau académico ou experiência profissional na área, mas pela capacidade ou qualidade ou experiência pedagógica.

Algumas destas Universidades recorrem aos seus melhores alunos, bastando para isso que tenham o Diploma de Licenciatura, para darem continuidade a esses cursos. Mas, mais uma vez, ser melhor aluno, ser excelente arquiteto, brilhante médico, ou economista, não tem correspondência directa com a excelência pedagógica.

Seria muito mais razoável que alguns destes cursos ditos superiores fossem antes cursos médios. Até porque, para além do problema visível de docência, há o problema da inexistência de laboratórios. Isto é quase como ensinar a ler mas não a escrever.

Isto é um facto. Triste, mas um facto.

Mas, os cursos existem. A falta de quadros (mais ou menos qualificados) em algumas áreas de negócio – como é aliás evidente na nossa, é igualmente real. Solução? Acabar com os cursos? Ou esperar que com os docentes existentes seja possível receber gente nas empresas que saiba, ao menos, utilizar a máquina de calcular?

11:57 AM  
Blogger Ivan Serra said...

Obrigado pelo excelente imput meu caro amigo e colega.

Realmente, a nível do ensino superior, as nossas universidades estão a afundar-se em megalomanias...para não dizer cursomanias! Basta analizarmos quantas universidades nasceram do nada nos últimos 10 anos. Sem estudos de base, apareceram como cogumelos. A educação é como uma nova descoberta de ouro, um negócio de diplomas, doutores, prestígio, etc. Corre tudo para estas instituições de papelão sem sequer pensar que a nossa educação primária de base continua em ruínas.

Concordo perfeitamente que na hora de planificar o currículo para um novo curso, as universidades e os Ministérios responsáveis, não demonstram a responsabilidade suficiente. Um exemplo igualmente gritante é o único curso superior de desenho e arte na UP. Iniciaram o curso sem planificação apenas para poder afirmar que foram os pioneiros. O programa é assustadoramente mal elaborado. Os "DOCENTES" possuem todo o género de formação, experiência e background menos a que interessa...arte. Para além disso, o curso é ministrado bastante fora dos principais centros urbanos, quando a experiência exterior nos diz que um curso destes deve estar localizado no centro de uma cidade de modo a ter maior abrangência. Nenhum dos quadros no ministério foi contactado sequer para um aconselhamento. Eu apareci lá, recém formado no estrangeiro, pedi audiências porque queria ser útil e fui perfeitamente ignorado. Os "engenheiros" que lá estavam sentiram-se ameaçados. Enfim, espero que o curso que está a ser preparado pela UEM não siga os mesmos passos.

Na minha opinião pessoal, ao contrário de se estar a investir em cursos superiores, era pertinente investir por exemplo, em escolas de base como a EAV (Escola de Artes Visuais) que se encontra decrépita. Ou mesmo, começar a elaborar programas que incluam disciplinas relacionadas com a arte ou a comunicação nos programas das escolas secundárias. Mas lá está a velha questão da galinha ou do ovo, ou seja, dos professores ou das escolas.

10:29 AM  
Blogger Su. said...

(risos)

!!! por esta n esperáva! Eu a criticar a revista da TVcabo e de repente, sigo a leitura e leio-te a falar do mesmo!

pois...

:)

4:54 PM  

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