Barrakaloka

Blog de Publicidade, Arte e Debate Social

Friday, March 03, 2006

Escolha Cinematográfica da Semana: Match Point

O trabalho de Woody Allen ou se ama ou se odeia, costuma dizer-se. O filme que tive o prazer de visionar no cinema Xenon é provavelmente uma mutação no seu estílo. Sim, manteve-se o olhar pecaminoso e quase detalhado à lupa sobre o relacionamento humano e todas as suas fraquezas. Mantiveram-se as situações kafkianas e os diálogos por vezes arrepiantes de tão dissecados que são. Os personagens continuam dolorosamente reais. Mas este filme é mais do que isso, fazendo um cruzamento para um público que não é somente o que segue o cinema independente. E arrisco-me a dizer que com este filme, Woody Allen estará provavelmente a mostrar que também pode combinar o whiskey com as pipocas.

Se me permitem, Match Point é parte romance Shakespiriano/parte suspense thriller Hitchcokiano. Ou ainda, para quem gosta mesmo de categorizar, uma trágico-sátira. Por outras palavras, tem um pouco de tudo. Manteve-me pertubadamente agarrado à cadeira, sempre desejando que os personagens não fizessem realmente aquilo que acabavam por fazer, cruel Woody este que nos obriga a distorcer os próprios pensamentos. É o mestre da psico-análise.

O casting dos actores é mais uma vez brilhante. A arrebatadora Scarlett Johanson que começa a afirmar-se como a nova rainha do circuito independente (The girl with pearl earing, A love song for Bobby Long e Lost in Translation) está igual a si própria. Jonathan Rhys Meyers que era para mim um total desconhecido é a personificação do filme. Começou por parecer esquisito e dissimulado, mas depois ocorreu-me...bolas, é mesmo isso que o personagem é! Este homem de expressão esculpida que faz lembrar Joaquim Phoenix, irá longe. O restante elenco faz-nos acreditar que devem ser uma família real, algures em Londres.

Resumindo, vale a pena arriscar ver este filme...até ao fim. Mas estão perfeitamente livres de discordar comigo.

Thursday, March 02, 2006

A Arte da Comunicação


Na minha última visita a Johanesburgo fui atravessado por uma lufada de ar fresco. Outdoors e empenas da terceira operadora celular daquele País, a Cell C, povoavam literalmente a paisagem urbana com um estílo inconfundivelmente diferente. A Cell C chamou-lhe "A Arte da Comunicação" e para além do enorme sucesso alcançado junto do público, conquistou já importantes prémios de reconhecimento internacional.

Num mercado praticamente dominado pelos gigantes Vodacom e MTN, a Cell C começa a vingar pela irreverência da sua comunicação e principalmente pela coragem de inovar no plano visual. Neste caso, a operadora convidou 35 artistas de renome e maioritariamente locais, lançando-lhes um desafio picantemente saboroso de ilustrar o fenómeno da comunicação.

Preservando fielmente o traço particular de cada artista, a marca assinou as peças com o seu logotipo e apenas colocou uma exigência: que os artistas incluissem a letra "C" na frases usadas para acompanhar cada composição. A Campanha fez uso de duas vertentes, uma destinada à cidade de Johanesburgo, com empenas gigantescas puramente ilustradas e outra abrangente a todo o país, com outdoors num estílo mais clássico e incorporando fotografia. Estas excitantes imagens para além de colorirem e iluminarem a paisagem, conseguiram cumprir o seu propósito principal - o de comunicar não apenas com o potencial consumidor mas com o público em geral.

O seu tratamento foi puro e elementar, reduzindo à essência o conceito de comunicação e devolvendo-o à sociedade da forma mais directa possível. Grandes marcas são geralmente interpretadas friamente, não conseguindo abstrair-se da óbvia necessidade de vender produtos, neste caso a carga emocional das imagens desconstruiu barreiras. Cada painel está de certa forma destinado a um grupo específico, ilustrando as suas acções e atitudes de forma tudo menos plástica. Brincando com esterótipos socialmente construidos que caracterizam grupos comportamentais, a campanha consegue que nos revejamos nas imagens.

A "Arte da Comunicação" não nos impinge mensagens repetitivas, superficiais ou forçadas, nem ilustra produtos, encoraja-nos sim a rever a razão pela qual comunicamos uns com os outros, apelando à emotividade do acto, recordando-nos da proximidade que permite. Deste modo reafirma-nos a necessidade do comunicar e de como cada um de nós possui uma forma distinta mas orgulhosa de o fazer. Ao olhar para a imagem aqui ilustrada, onde um pai diz para o filho "Tem coragem", senti logo vontade de telefonar para casa e falar com o meu filho...e depois pensei...xeque-mate, estes tipos são bestiais! Se vivesse naquele mercado, muito provavelmente também me sentiria motivado a usar esta rede pela simples razão de me identificar com a mesma, porque sabemos que não havendo grandes distinções a nível de oferta, a escolha é motivada na base emocional. E foi isso que a Cell C conseguiu, distribuiu sensações personalizadas. O toque final foi o uso da arte/ilustração que ajudou a digerir, conferindo-lhe bastante destaque e enriquecendo visualmente.

No mercado altamente competitivo e agressivo de hoje, onde o mínimo erro pode levar uma multinacional à falência total, quem tem poder de decisão, fá-lo normalmente com imensa precaução. As marcas apenas se distinguem pela cor ou pelo nome. Paira o receio constante de arriscar inovar, e deitar tudo a perder a favor da concorrência. Para quem trabalha nesta área é encorajador ver uma marca arriscar e provar, tal como a Benetton no passado, que uma grande marca pode despir-se da parafernália corporativa e comercial para ser real, humana, intervir socialmente, marcar posições...e apesar disso conseguir vender no final do dia! Traçando um paralelo com o nosso mercado, sinto que as duas operadoras locais estão a caminho deste propósito, ambas escolheram estratégias de carácter emocional para as suas campanhas institucionais. Isso é positivo, o negativo por outro lado é velho, o de construir a casa ao contrário, pois a imagem deveria espelhar a qualidade do serviço...por vezes nao é esse o caso. Mas olhamos para o futuro com optimismo, porque as mentalidades tendem a mudar.